sábado, 30 de janeiro de 2010

Conhecimento Proibido

Caro leitor, é neste dia ensolarado que o Diálogo Entrópico volta de um prolongado hiato. As razões são muitas, e irrelevantes para serem comentadas, então vamos direto ao assunto. Este é um tema que vai esbarrar na antropologia, mitologia e na ficção.
Um dos motivos da escolha do objeto é a leitura do livro básico do Mundo das Trevas, da editora americana White Wolf,
publicado no Brasil pela Devir Livraria. Este é um livro de RPG (algo sobre o qual vou falar mais dia, menos dia por aqui) sobre pessoas comuns que descobrem um mundo sombrio por trás da normalidade aparente. Pra quem conhece, pense no seriado Supernatural (não consigo escrever Sobrenatural...), com todos os seus monstros escondidos e mistérios sujos encobertos.
A leitura do livro e o tema do jogo me lembraram bastante (e talvez, apesar de não explícito, pode ter sido a intenção, ou parte dela, mas certamente uma das inspirações) o clima dos contos de H.P. Lovecraft, conhecido pelos mitos Cthulhu. Esta série de contos fala sobre os Antigos, deuses monstruosos que vivem escondidos, mas que a humanidade ainda se lembra por meio de antigas culturas e rituais sinistros. O que há de interessante na obra de Lovecraft é que a humanidade não tem chance alguma contra os Antigos. Qualquer um que tente entendê-los ou desafiá-los acaba louco, inútil.
A maior semelhança por mim notada entre as duas obras é o segredo. Segredo porque o conhecimento, nestes lugares, é fundamental e escondido, mas infinitamente perigoso e fatal. A própria mente humana se revolta ao notá-los, e é por isso que muitos preferem ignorar, inconscientemente. É até divertido notar que os autores de ambas as obras se baseiam no medo do escuro e do desconhecido presentes na humanidade (normalmente associados ao nosso passado numa Terra assolada por predadores noturnos, em que a união e o fogo eram os únicos consolos dos primeiros homens) e lhes dão uma nova roupagem: ainda nos lembramos das criaturas terríveis que estão lá fora, e já nos dominaram.
Bem, temos algo aqui. Certo tipo de conhecimento é perigoso e proibido. Isto é algo que ainda vemos, e numa outra esfera ligada à religião: quem não se lembra da história de Adão e Eva? Ao ingerirem a fruta do conhecimento, discerniram o bem do mal e foram expulsos do Paraíso. Antes que se comece a polemizar demais, vamos analisar a história de acordo com seu simbolismo. Mais uma vez digo, é uma análise amadora, caro leitor.
O simbolismo dessa história pode ser percebido em alguns níveis. Primeiro que, em eras mais primitivas o conhecimento era algo incrivelmente importante e as religiões, que controlavam abertamente o mundo, não desejariam que as pessoas conhecessem muito, o que talvez levaria a descrença e revolução. Hoje em dia o conhecimento ainda é visto como libertador, uma herança de várias revoltas e especialmente do Iluminismo, mas a noção de que ele pode destruir uma crença é um tanto quanto polêmica. Meus comentários, então, nesse sentido, se voltarão a épocas mais estereotipadas (precisamos ter algum ponto do qual falar, não é verdade? Ou então eu preencheria o texto com ressalvas e desculpas). Em resumo, a erudição era encarada como algo perigoso e que deveria ser mantido longe das massas.
Outro nível, mais ligado à antropologia, é a percepção humana da perda da inocência. Assim como as crianças crescem e, ao se tornar adultos, geralmente lamentam o que perderam, a raça como um todo pode ter uma certa aflição por se afastar do mundo natural, da “abençoada ignorância” dos animais, por exemplo. É uma metáfora, falando sobre a dor e o terror de estar numa terra árida e inóspita (fora do Éden, onde “o solo será maldito por tua causa”). A dor é ainda maior porque ainda sobra uma árvore no Jardim, a da Vida Eterna. Sem ela, “ao pó voltarás”.

Um terceiro e mais abstrato nível pode se referir à solidão do conhecimento. Aquele que muito sabe pode acabar se afastando dos outros, para descobrir mais ou continuar sua jornada. Ou então que aquele que conhece tem uma certa responsabilidade para aqueles que não tem o conhecimento. De qualquer maneira, são poucos os que sabem, o que os isola. O arquétipo do cientista e pesquisador é solitário, não é verdade?
De qualquer maneira, o conhecimento proibido é algo que sempre esteve em jogo para a raça humana. Proibido por entidades divinas, proibido por ser doloroso, proibido por ser excludente. É a luz da razão, mas também é a fogueira dos descrentes. Apesar de tudo, a própria Bíblia diz, em Gênesis 3, 22: “O Senhor Deus disse: 'Eis que o homem tornou-se como um de nós, pelo conhecimento do bem e do mal(...)'”. Pelo menos, a humanidade se posiciona ao lado do infinito por conhecer. Pode ser doloroso, mas as mariposas também são atraídas pelo fogo.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Mais perto do que o esperado

Após uma incursão na filosofia, o DE volta a se concentrar na tecnologia invadindo o cotidiano. Apesar de ser um tema discutido desde que a roda foi inventada, provavelmente, não deixa de ser algo importante a se falar, afinal se trata da raça humana, como um todo. E, a saber, os maiores temas são os que se aplicam a todos nós, na opinião do autor.
As bases já são conhecidas: o mundo se estabelece com uma tecnologia, cultura, meios de produção e tudo o mais. Continua assim por um tempo determinado (que, recentemente, parece ter diminuído e continua a diminuir), até que há uma confluência que gera um enorme salto - revolução, é como chamamos. E elas podem ser de diversos tipos (religiosas, científicas, políticas...), mas não há dúvida que todas se relacionam à tecnologia.
Antes que o leitor se enfureça, é bom destacar qual o sentido de "tecnologia" que o autor quer salientar. A palavra deriva de técnica, que é a habilidade em uma arte ou conhecimento. Pode-se então dizer que um pintor, um mecânico e um médico são técnicos, cada um em sua própria área. E por que não um professor, um soldado, um padre...? Assim, podemos ter uma imagem de que toda revolução é uma revolução técnica, por mais genérico que seja ou pareça o uso do termo.
Disposições definidas, podemos voltar ao cerne da questão. Muitas obras famosas fazem referência a diversas revoluções: quadros, livros, filmes... uma lista seria não só colossal quanto inútil no momento. Para não deixar de ilustrar, cito A Leste do Éden, de John Steinbeck, que mostra a chegada do automóvel, além da 1ª Guerra Mundial e diversas inovações de maquinaria e costumes na América da virada do século XIX para o XX. O que importa, na verdade, é salientar que o conceito da mudança sempre esteve em debate, em todas as épocas.
Mas o motivo estrito do tema, neste momento, vem de uma conversa presenciada pelo autor entre alguns caminhoneiros. Discutiam eles sobre os modernos caminhões, e o intenso uso de GPS, tacógrafo, sistemas analisadores de gasto de combustível e reparo, além de outras quinquilharias. As opiniões dividiam-se entre as vantagens, como o risco ao caminhoneiro bastante reduzido devido aos equipamentos de vigilância e segurança, e as desvantagens causadas pelo controle acirrado. Falavam, sem saber, da obra máxima de George Orwell, 1984.
O caso específico pode até parecer banal, mas prova algo que está tão na ponta dos nossos narizes que por vezes esquecemos de notar: o avanço tecnológico está presente. E, às vezes, mas perto do que gostaríamos.
Sobre o bom uso (ou uso consciente, como queiram) dessa tecnologia, é bom lembrar que a velha ética pode ser uma base, mas não integralmente usada em conjunto com os novos meios. Para aqueles que estranharem esta posição ("a ética é universal, oras!") é bom que se recordem da moral aristotélica, base do atual mundo ocidental, em sua integridade: temas como escravidão e machismo são lá descritos e defendidos com argumentos sólidos. Volta, então, o que já foi dito várias vezes: cada época, sua filosofia - sua técnica.

sábado, 9 de janeiro de 2010

A Aventura do Filósofo

Alguns chamam de vaidade. Outros, de orgulho. Há os que ainda chamam de modéstia – maculada pelo adjetivo “exacerbada”. Não que importe, ou faça diferença.
Minto. Faz. Toda a diferença do mundo pode estar nos epítetos que cunham a filosofia. “Amor à sabedoria”, muitos sabem, mas poucos parecem se lembrar ou compreender.
Qual é, afinal, o objetivo da filosofia? Alguns se retirariam para uma longa meditação para responder a essa pergunta; outros se reuniriam numa confabulação de estudiosos, e mais outros se sairiam com alguma frase de simples sabedoria ou ácida ironia. Não que não se possa examinar alguns aspectos da (matéria? ciência? disciplina?). Que sejam vistos.
A começar, pode-se tentar defini-la pelo objetivo: sabedoria, já que Sócrates, o mais eminente da turma filosófica, disse que o primeiro passo para a sabedoria era reconhecer que nada se sabia. Seus conterrâneos compunham o povo que escreveu “Conhece-te a ti mesmo” em Delfos e foi posteriormente dominado, humilhado e glorificado pelo Império Romano.
Muito depois dessa época, onde a filosofia era a ciência por excelência, quando ela tratava de átomos, matemática, política e a elegante mistura da vida, do universo e tudo o mais, ela passou a se dedicar mais a certos campos, conforme a data. Na Idade Média, a religião era um dos principais focos, refletindo em seu espelho a escuridão reinante em volta. O Renascimento deu (devolveu?) ao homem o seu devido lugar. O Barroco tornou a colocar Deus no alto, e os homens a tentar responder a Seus desígnios.
O mundo avança. O pensamento filosófico abarca novos continentes, máquinas avançadas, ciência de ponta. Logo passa por jovens rebeldes e suas poesias, por homens rebeldes e suas guerras. E em menos tempo ainda a contagem de corpos cresce.
O homem passa a se preocupar com o (super-)homem. A moralidade, ou pelo menos o seu estado, reaparece ao lado do sombrio e fantasmagórico inconsciente. Muita gente, muito dinheiro, mídia: todos se incluem no campo. E a ciência avança.
Avança tanto que, em pouco tempo, a filosofia precisa acompanhá-la de perto: a física dos quanta nos devolve o livre-arbítrio retirado (há controvérsias) por Laplace? A contínua absorção exponencial de informação quantificada, qualificada e organizada altera nossa convivência e, se sim, como? O poder acumulado e o conhecimento podem evitar a nossa destruição como espécie,ou apenas acelerá-la?
Ser filósofo nunca foi fácil. Parece que não é agora que isso vai mudar.


Este texto é uma pequena homenagem a todas estas pessoas que mudaram o modo de se ver o mundo, e um convite a quem mais desejar seguir seus passos.

sábado, 2 de janeiro de 2010

"Spraying Bullets all Over the Place"

E é com quase um ano de existência que o DE volta. Apesar de toda a confusão de fim/começo de ano, a fi rma não pode parar.
Falando em parar, no primeiro dia do último ano da década de 2000, a Coreia do Norte surpreendeu o mundo dizendo que gostaria de "por fi m às relações conflituosas com os Estados Unidos". Para quem não se lembra, a questão girava em torno do programa nuclear Norte-Coreano, que infrigia várias regras da segurança nuclear mundial e certamente outras do bom-senso. A despeito do que se possa chamar de "propaganda favorável aos USA", certamente era uma situação tensa, principalmente num mundo que já foi refém da Chantagem Atômica (hello, Mr. Bond). Num contexto mais amplo, essa notícia pode fazer referência à crítica russa do escudo antimísseis americanos e todo o problema com o Irã.
Mas por que cargas d'agua estamos falando sobre isso? O que há, leitor, é que a discussão de hoje está embasada no tema da guerra. Não, não vamos falar sobre toda a sua história: apesar de ser um assunto interessantíssimo, teremos outras oportunidades para discuti-lo. O assunto de hoje é Modern Warfare.
Antes que me julguem, o título vem um pouco do jogo da In finity Ward, mas não todo. É fato que o obcecado escritor que vos fala é fã de carteirinha do título de ação, mas apenas irá usá-lo como ponta de lança para o artigo. Tomem assento, então, no Hummer blindado de vossa conveniência e apreciem a vista. Por favor, usem capacetes.
O que se vê de fora depende do humor da mídia: heroicos soldados lutando contra um mal absoluto (os rapazes da F.E.B. na Itália, por exemplo), ou assassinos desumanos contra um povo resistente (Vietnã, alguém?). O fato é que as guerras modernas quase sempre começam por motivos misteriosos e possuem desenrolares nem sempre bem explicados. Pode-se explicar bem as invasões escandinavas na bretanha: expedições por terra e escravos. Agora, como delinear um plano livre de preconceitos sobre a assim chamada "Guerra ao Terror", ou mesmo de finir o que é um terrorista?*
O exemplo acima dado pode ser criticado por seu anacronismo em excesso. Acredito, porém, que a chave para uma melhor compreensão da guerra modernaestá justamente no avanço. Apesar de ser chavão dizer que o avanço tecnológico mudou radicalmente o mundo, é um fato. Primeiro as armas: possuir um rifle automático com grande poder de fogo e barato (cito o famoso exemplo do AK-47) estimula conflitos civis e de milícia mais facilmente do que os mosquetões ou mesmo espingardas de caça de muito tempo atrás. Também altera o campo de batalha saber que pode-se ser atingido a mais de um quilômetro por um franco-atirador, enquanto uma espada lhe dava a segurança do uso do escudo e contragolpe.
As comunicações foram outro (talvez o maior) fator de complicação. Se antes um espião precisava se deslocar a uma complexa estação de rádio para passar informações, ou mesmo viajar por um longo caminho, um simples telefone celular ou e-mail garante que a informação chegue em poucos minutos. Um míssil via UAV Predator pode atingir virtualmente qualquer lugar, e uma invasão aérea demora não mais que horas para atingir qualquer lugar no mundo (aconselho fortemente o Modern Warfare 2 para um exemplo magnífco disso).
Agora já temos um retrato da guerra atual: armas muito avançadas e motivos dúbios. Resta, porém, indagar sobre os objetivos. Engana-se o leitor ao pensar que os motivos e os objetivos são a mesma coisa: qualquer jogador experiente de War (categoria da qual, infelizmente, não faço parte) pode dizer que já precisou atacar lugares diferentes para disfarçar seu objetivo. Ao falar de objetivo, quero dizer duas coisas: objetivos militares e objetivos gerais; note que não são conceitos estabelecidos, mas sim criados para o fim desta discussão específica.
Os objetivos militares seriam os alvos. São mais estratégicos: se é descoberto um vital depósito inimigo de munição, é um alvo. Um quartel ou central de comunicações também é um alvo. No caso dos "terroristas", um grupo de civis "inimigos"é um alvo. E ao continuar avançando, pode-se encontrar outras aberrações como alvos: hospitais já foram atacados na problemáatica Faixa de Gaza.
Os objetivos gerais são o "como ganhar a guerra". Seriam como tomar Berlim na Segunda Guerra Mundial, ou as Falklands na Guerra das Malvinas. Repare que não envolve "matar todos os inimigos": eles são simplismente casualidades necessárias.
O que ocorre, apesar disso, é que a visão atual da guerra envolve a morte de todos os inimigos. Pergunte a qualquer um como acabar com o terrorismo. Grande parte das respostas será "mate todos os terroristas". O terrorista, para a mente ocidental bem educada (adestrada?) não é um ser humano, e sim uma criatura ímpia sedenta de sangue. A própria vida, aliás, perde o seu sentido: não nos toca saber que dezenas morrem em atentados terroristas no oriente médio ou em tiroteios nas favelas, enquanto um ou outro famoso ou parente parece destruir o ânimo. Não é a intenção do autor discutir sobre qual é "mais importante" ou "menos importante", mas é algo que certamente deve ser analizado.
O próximo passo é quase natural, nesse sentido: o inimigo não é um ser humano. Ele mata e destroi. Como detê-lo? Ora, matando-o antes que ele cause outras mortes! Ou, melhor ainda: matando-o antes que ele cause qualquer morte. E viva a guerra preventiva!
Assim, o bem-treinado grupo Rainbow 6 provoca apenas aplausos ao matar dezenas de terroristas de modo e ficaz na série Tom Clancy's Rainbow 6. Rambo é um heroi. Os "malditos chucrutes" são execrados nos filmes de guerra. O pior de tudo? São boas obras. Divertidas e interessantes: Rainbow 6 é um jogo excelente, tático. Rambo possui um subtexto interessantíssimo, e a Segunda Guerra tem uma atração romântica fortíssima até hoje. A guerra já está em nossa medula, se não como espécie (e há os que irão dizer que sim), mas culturalmente.
A guerra então, caro leitor, não está "lá longe", inócua. Já nos preocupamos e vivemos com ela, direta ou indiretamente. O valor do ser humano nisso tudo, bem, é o que ainda não está completamente de finido.


*Para este ponto eu chamo a atenção para o livro Terrorism and Hostage-Taking on the Middle East, do Dr. Walid Amin Ruwayha, que mostra um ponto de vista diferente sobre o terrorismo, fornecendo um panorama mais amplo ao leitor.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

O melhor livro que eu já li


Após uma breve incursão no conto, o Diálogo Entrópico volta a sua programação normal. Ou nem tanto; o texto de hoje é como uma crítica literária disfarçada, mesclada com um pouco de interpretação, ou mesmo trechos autobiográfi cos. Sem mais delongas, vamos à coisa.
(Apenas aviso que o texto e inteiramente parcial. Se não concordar, se sentir ofendido(a) ou similiares, comente ao invés de sair a caça do pobre autor com um rifle. Pode continuar agora.)
Algo que perturbou vosso habitualmente já perturbado cronista nos últimos tempos foi a pergunta "Qual é seu livro favorito?". Tudo bem que a resposta a esse tipo de pergunta é inteiramente subjetiva, razão pela qual não a discutiremos muito a fundo aqui; basta ser dito que depende do estado emocional, de circunstâncias marcantes, etc. Mesmo assim, ela persiste. A final, qual é o livro que, de todas as formas, mais lhe marcou, mais lhe deixou com o sentimento de jamais esquecer?
Primeiro, vosso interlocutor pensou em outras expressões da arte e suas obras máximas, segundo seu entendimento. Na música, Bohemian Rhapsody, do Queen, reina absoluta, indiscutivelmente, amparada por uma votação de ser a melhor música pop de todos os tempos, e um trabalho de quarenta páginas dedicados a esta ópera roqueira (talvez um dia eu o poste...). Quanto à sétima arte, O Poderoso Chefão, de Francis Ford Coppola, está no topo, desbancando
o antigo favorito, Star Wars Episódio V: O Império Contra-Ataca (George Lucas). E já que as estamos numerando, a nona arte (quadrinhos, conhecidos pelos nossos primos portugueses como "banda desenhada") encontra, para mim, seu ápice em Watchmen, de Alan Moore.
Mas... e a literatura? Justo o rato de biblioteca que vos escreve não saberia dizer seu livro favorito? Parece paradoxal, mas não é: apesar de ter lido muitos livros e possuir alguma base para julgá-los, há complicadores, que são a quantidade deles e a comparação, de como escolher um em detrimento dos outros. Uma tarefa nada trivial.
A primeira coisa a pensar foi a influência. O quanto cada livro que li influiu no meu pensamento? A Fundação e a Terra, de Isaac Asimov, contribuiu com a noção de explicação matemática da história; 1984, de George Orwell, com uma visão crua da realidade. A Metamorfose, de Franz Kafka, apresentou-me à loucura do mundo moderno, e O Senhor dos Aneis, de J.R.R. Tolkien, a um mundo novo, estranho, excitante e fantástico.
Mas não era isso, ainda. Se fosse contar pelas influências, a lista seria imensa e dependente do momento exato. Retrogredi, então, aos primeiros dias de leitura, da minha "iniciação": O Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda, numa versão de Ruth Rocha para o clássico de Thomas Malory. A história sobre este livro é curiosa e remonta aos meus 6 anos de idade, mas irei me abster de narrá-la agora. O importante é saber qual foi a porta de entrada para o mundo da leitura. Me guiaria ela, então, à definição do melhor livro? A cavalaria e o fantástico? Ainda não. Apesar de um grande fã desse tipo de obra, nenhum dos que já li pode ser colocado no posto mais alto da minha hierarquia bibliográfica.
Mas o retorno às origens foi proveitoso, por lembrar-me o que mais gosto nos livros: uma boa história. Apesar de livros com teses, filosofia, ciência e outros mais serem do meu interesse, o que mais gosto nos códices de papel (que beire a pieguice, dane-se) é todo o potencial existente na história que se inicia e desenvolve, na imaginação envolvida, na miríade de significados que pode ser construída, assim como grafos se conectando, assim como a aranha vai tecendo meticulosamente a sua teia.
Só faltava, visualizei, um pequeno estalo, conectar o último ponto. O que falta? O que ainda resta ser pensado para definir o melhor livro dentre todos que já li? A resposta eu já sabia, só faltava-me encontrá-la.
E ela veio, leitor, ah se veio! E amparada justamente pelo cinema. Por um acaso (ou não, isso é discussão para outro dia) vim a procurar o filme do livro O Grande Mentecapto, de Fernando Sabino, que sempre tive vontade de ver. Ao encontrá-lo, lembrei-me de ter afirmado, no passado, ser o meu livro favorito.
E ainda é.
Neste momento, o entendimento veio em borbotões: claro! É o melhor livro que já li! Mas, além de sua história (perfeita, uma grandiosa epopeia), quais são seus atrativos?

Reconhecimento é a resposta, damas e cavalheiros.
Apesar de me empolgar com Dom Quixote, sofrer com Gregor Samsa e exultar com a queda de Sauron, nenhum desses personagens ou acontecimentos reflete de modo direto a minha realidade, fruto que sou das montanhas de Minas Gerais, criança que brincou na roça, comeu pão de queijo, que fala "trem" e "uai"; que irá, com toda a certeza, tornar-se um rapaz frequentador dos tradicionais bares, um ressabiado quase-boêmio, que escuta o Clube da Esquina no mp3 player. E é isso, em maior grau, que a obra de Fernando Sabino trás: uma odisseia dentro de Minas Gerais, seus personagens e hábitos, com tudo o que tem direito. História plena de significado, conteúdo, que vai do drama ao épico, da guerra à mesa, e com um dos personagens mais marcantes de todos os tempos, o irmão mineiro e antecessor de Forrest Gump: Geraldo Viramundo.
A nostalgia bateu forte ao ver o filme, e me lembrar de tudo o que passei ao ler o livro diversas vezes. Sim, digo em alto e bom som: o melhor livro que já li. E digo que, se algum outro o superar, é porque é fora de série, assim como esse.

domingo, 29 de novembro de 2009

Aproveite a Festa


Ele chega, e é saudado por todos à porta. Rostos felizes, abraços e beijos o rodeiam, enquanto ele entra no salão. Pessoas cultas, pessoas incultas, todos parecem se ocupar com ele, oferecendo bebidas e os petiscos, e as mais recentes notícias o orbitam. Ele entra naquele rendez-vous de felicidade, e não percebe, de imediato, que esmoreceu com a entrada de um novo convidado. Nem tanto, aliás; as atenções se dividiram apenas um pouco.
A noite começa a ficar alta e agitada. Depois do frenesi inicial, ele está com um pequeno grupo, desenvolvendo algumas conversas. Como toda a festa, aliás: grupos, os animados anfitriões passando entre eles e tentando integrá-los, e as primeiras discussões sérias, motivadas por problemas de fora da festa com o combustível alcoólico abundante.
Enquanto as coisas vão se aquecendo na celebração da felicidade que é esta festa, ele se afasta para um canto com uma garota. Lógico que ela é bonita, e tem uma conversa interessante, mas após alguns minutos de contato, eles se dispersam. Em toda a festa é a mesma coisa: em poucos minutos ela já se agarra a outro, e ele observa o vestido de algumas. Seu grupo? Entretido nas mesmas coisas.
A música vem, solta. Ele conversa com um rapaz ao seu lado, para elogiar a música da circunstância ou criticá-la acidamente, se não gosta. O rapaz concorda e, juntos, vão se divertindo, até tocar uma canção que os divide. “Essa é ótima!”, “Como assim? Que música indecente!”, “Como é?”. Nessa discussão, ao ritmo do som, powered by some drinks, os dois passam de palavras para atos: um punho joga um deles (qual? Parecem irmãos, já, devido à alta confusão) na mesa, espalhando os salgados e sujando a camisa clara do sujeito. Os anfitriões e amigos correm, separam os dois e arranjam uma camisa nova para o acidentado. Ele, após insistência, concorda em continuar na festa, mas os dois se entreolham de lados opostos do salão, com fúria, e atentamente vigiados por aqueles que não se importam com a música a tocar, apenas balançando suas cabeças ao ritmo, qualquer que seja.
Alguns convidados começam a ir embora. Alguns em pares, mas a maioria sozinha: as relações estabelecidas foram breves demais. Para aqueles cujo par foi embora, restam apenas as lágrimas, a busca de outro ou o telefone, para pedir um táxi.
Felizmente, a maioria dos que se foi levou junto os pouco resistentes a bebida e os volúveis (que foram apenas procurar outra festa para ir), e os que restam podem conversar melhor. Começa aí, para a maioria deles, a verdadeira festa. Um deles é biólogo, e fala sobre a vida; imediatamente, é interpelado por outro, que é economista. Paralelamente, um matemático argumenta com uma escritora sobre o sistema de transporte público. Os anfitriões participam das conversas tanto quanto possível, alguns dormindo, outros imersos, outros ainda mudando de assunto deliberadamente: nada disso na minha festa.
Ele, que havia entrado na festa meio que por acaso, convidado por nem se lembra quem, encontra algumas boas conversas, que já o fizeram esquecer da primeira garota e da terceira, a mais intensa da noite. Em meio a isso, ele olha seu moderno e caro relógio. Sob o indicador de data e profundidade (ele adora acessórios de exploração, mesmo só podendo sair durante as férias) ele percebe que passa de sua hora. Levanta-se, desajeitado, e se despede das pessoas. Nem todos os presentes ouvem, tão completamente estão em seus próprios assuntos.
Entretanto, um senhor, que é um dos anfitriões, escuta e vai com ele até a porta. Enquanto esperam o táxi, o senhor pergunta se ele gostou da festa. Apesar de eventuais problemas, “eu adorei!”, diz ele. O senhor, de um modo cansado, diz: “eu deveria ter-lhe dito para aproveitar a festa desde o início. Você poderia ter obtido mais coisas dela.” Ao ouvir isso, ele para, estarrecido, mas seu táxi chega e ele se vai, acenando para o senhor. Pela janela, a noite está bem escura, e chove. Pelo menos as lâmpadas de mercúrio brilham, oferecendo alguma luz.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Interferência Digital


Ontem recebi meu convite para o Google Wave. O post não é sobre isso; este aqui tem melhores informações.
Não, o post de reestreia do Diálogo Entrópico (um longo tempo, também acho) se refere à interferência da tecnologia em nossas vidas.
Chavão? Pode até ser mas, nessa teia mundial repleta de informações, faltam artigos sobre a influência direta e rápida da informática no cotidiano. De qualquer maneira, lá vai.
A tecnologia sempre esteve auxiliando o ser humano em suas tarefas. Desde o osso de 2001: Uma odisseia no espaço, até as máquinas a vapor, as máquinas de escrever... e o PSP. Como extensões de nossas naturais capacidades, várias máquinas são desenvolvidas para a expansão e aprimoramento humanos: agora podemos voar, nadar em águas profundas, trocar órgãos e nos comunicar a longas distâncias.
Recentemente, porém (desde a invenção e popularização dos circuitos integrados e do transistor, para ser mais específico) a eletrônica produziu avanços tecnológicos de modo incrivelmente rápido, e melhor, acessível ao grande público. Se antes nem todos podiam viajar num moderno trem a vapor, hoje um processador de 2 GHz é acessível a trabalhadores que ganham salário mínimo, na onda do crédito fácil (quanto a ética disso, são outros quinhentos).
Assim, as informações viajam com tal facilidade que passam a ser necessárias: vosso humilde cronista se sente mal ao não olhar a(s) conta(s) de e-mail por dois dias consecutivos. Hits da música estão imediatamente disponíveis para download. Jogos em rede integram europeus, americanos e asiáticos em campos de batalha virtuais, na velocidade da luz.
Nem só para o lúdico: cloud computing é solução para diversos modelos de negócio. E-mail conecta executivos através do mundo, e videoconferências online permitem reuniões de filiais a qualquer momento; o celular permite chamar empregados que estejam dentro de um carro, longe da empresa.
A própria cultura se alterou: o que significa reunir-se fisicamente quando há o e-mail e comunicadores instantâneos, com todas as suas ferramentas? Novas formas de conteúdo surgiram: blogs, podcasts, RSS, o próprio Twitter... E a indústria de games tornou-se "arte": o que, diferente de obra de arte, são jogos como Medal of Honor: Pacific Assault e World of Goo?
Claro que tudo isso trás perigo. "Por que se deslocar a uma biblioteca, se há a Wikipedia e os comandos copiar/colar?", pensa o estudante descompromissado; "Vou invadir o Orkut daquela menina", pensa o cracker que tem preguiça de programar mas se acha um heroi por usar scripts para invasão. E vários outros exemplos.
Conclusão? A tecnologia trouxe, sim, vários benefícios - melhorou o mundo, na honesta opinião deste blog. Mas foi rápido demais, pelo menos para a cultura popular, lenta em absorção consciente de conteúdo. Puxão de orelha na educação: são necessárias mudanças para este mundo que oblitera as maiores inovações em dois anos.